Parabéns, humanidade: trouxemos de volta o lobo pré-histórico, versão beta, remixada com DNA de cães e lobos modernos, e agora vamos fingir que isso vai salvar o planeta. É o apocalipse climático com filtro de Instagram para conquistar patrocínio estatal.
Quando a empresa americana Colossal Biosciences anunciou, em um evento amplamente divulgado, a criação de três filhotes de “lobo-terrível”, uma espécie extinta há mais de 12 mil anos, em laboratório, a reação global foi digna de uma cena de Jurassic Park. A ficção científica, que por décadas alimentou nossa imaginação com promessas de ressurreição de criaturas do passado, parecia finalmente se fundir à realidade. Os filhotes, batizados de Romulus, Remus e Khaleesi, foram apresentados como o resultado de técnicas avançadas de engenharia genética, incluindo CRISPR, clonagem e edição genômica, aplicadas ao DNA de lobos-cinzentos modernos, baseado em DNA preservado em amostras fósseis. A Colossal Biosciences, uma startup ambiciosa com sede no Texas, prometeu que esse feito não era apenas uma demonstração de poder tecnológico, mas um passo para “reviver o passado e salvar o futuro”, segundo suas próprias palavras. A narrativa é sedutora: trazer de volta espécies extintas para restaurar ecossistemas e, quem sabe, mitigar os danos ambientais causados pela humanidade.
Mas o que isso realmente significa? Para muitos cientistas e entusiastas da tecnologia, trata-se de um marco revolucionário, uma prova do domínio humano sobre a biologia. Para outros, incluindo vozes céticas no campo acadêmico e na sociedade civil, é uma extravagância corporativa disfarçada de progresso, um experimento caro que levanta mais perguntas do que respostas. Aqui no canal Visão Libertária, nosso objetivo é ir além das narrativas oficiais, sejam elas da mídia tradicional, da academia ou das próprias empresas envolvidas. Vamos analisar este caso sob uma lente libertária explícita, examinando as implicações éticas, os incentivos econômicos e as possibilidades futuras, especialmente no que diz respeito ao transhumanismo, um conceito que, embora ainda distante para muitos, está intrinsecamente ligado a esses avanços biotecnológicos.
Esses são realmente lobos-terríveis?
A primeira questão que devemos abordar é fundamental: esses filhotes são, de fato, lobos-terríveis? A resposta é, no mínimo, ambígua, e isso importa mais do que parece à primeira vista. Assim como os dinossauros de Jurassic Park não eram réplicas exatas de seus predecessores pré-históricos, mas sim recriações baseadas em fragmentos de DNA preenchidos com genes de espécies modernas, esses lobos são, na melhor das hipóteses, uma aproximação. O Dr. Henry Wu, personagem fictício de Jurassic World, resume bem essa ideia ao dizer: “Nada em Jurassic World é natural. Sempre preenchemos lacunas no genoma com DNA de outros animais.” Aqui, o processo é semelhante: o DNA antigo, extraído de fósseis degradados, foi complementado com material genético de lobos-cinzentos, resultando em algo que poderíamos chamar de “avatar biológico”, uma simulação do passado, mas não uma recriação fiel.
Para ilustrar essa distinção, vale uma analogia tecnológica. Quando Dennis Ritchie, um dos criadores do Unix, auditou o kernel do BSD, acusado de copiar o sistema da Bell Labs —, ele declarou: “Este é um sistema UNIX, mas não é o nosso UNIX.” Da mesma forma, podemos dizer sobre esses filhotes: “Este é um lobo-terrível, mas não é o lobo-terrível original da natureza.” Eles carregam o nome e parte do legado genético de seus predecessores naturais, mas são, em essência, produtos de design humano, moldados por escolhas meramente estéticas e de interesses contemporâneos. Isso levanta uma dúvida filosófica: estamos realmente trazendo o passado de volta ou apenas criando algo novo e chamando-o de antigo?
Mais do que um avanço científico puro, o que a Colossal Biosciences oferece parece ser um espetáculo midiático carregado de simbolismo. As imagens dos filhotes posando no trono de Game of Thrones, uma referência óbvia à cultura pop, não deixam margem para dúvidas: o apelo aqui é emocional e comercial, não acadêmico. O produto principal não é o animal em si, mas a narrativa que o acompanha, uma mistura de nostalgia pelo passado perdido, promessas de conservação ambiental e um futurismo reluzente que encanta investidores e consumidores. É uma estratégia de marketing brilhante, voltada para um público que consome cultura pop e tecnologia com igual fervor.
Podemos chamar isso ironicamente de “tokenização da vida”. Assim como os NFTs (tokens não fungíveis) criaram valor especulativo a partir de escassez digital, sem oferecer utilidade prática imediata, esses lobos recriados são ativos biológicos embalados em histórias sedutoras. Eles existem fisicamente, mas seu valor está na exclusividade e no hype, não em uma função ecológica clara. Isso nos leva a uma questão crítica: estamos diante de mais uma bolha especulativa, como as que vimos com os NFTs, o metaverso, as shitcoins e até outras bolhas que ocorreram no passado e varreram tendências que pareciam promissoras para debaixo do tapete. O histórico do mercado sugere que projetos movidos a entusiasmo e narrativas grandiosas tendem a inflar expectativas antes de colapsar sob o peso da realidade prática.
Para justificar moralmente seus projetos, e, possivelmente, atrair investimentos estatais, a Colossal Biosciences frequentemente recorre a argumentos ambientalistas. No caso do mamute-lanoso, próximo na lista de “ressurreições”, a empresa alega que esses animais poderiam ajudar a combater o aquecimento global ao pisotear a tundra e manter o permafrost congelado, reduzindo emissões de carbono. À primeira vista, a ideia soa intrigante, mas desmorona sob escrutínio. A escala necessária para um impacto mensurável seria Colossal: milhares, talvez milhões de mamutes, criados e mantidos a custos exorbitantes. Isso sem contar os problemas logísticos, como a adaptação desses animais a ecossistemas modernos, e os riscos adicionais, como caça ilegal e o surgimento de um mercado negro para presas ou outros subprodutos.
Esse discurso ecológico é, portanto, frágil e logisticamente inviável, um exemplo de “greenwashing genético”. A verdade é que soluções tecnocráticas centralizadas raramente resolvem problemas complexos como as mudanças climáticas. A Terra já passou por ciclos de aquecimento e resfriamento muito mais extremos do que os atuais, sem intervenção humana. Reintroduzir mamutes ou lobos-terríveis não vai “salvar” o planeta; no máximo, será um experimento caro com benefícios marginais. Nós libertários consideramos que, se o setor privado quer financiar isso, que o faça, mas sem envolver dinheiro público ou regulamentações que distorçam o mercado.
Sob uma perspectiva libertária, um aspecto frequentemente ignorado é a questão da propriedade intelectual sobre esses organismos geneticamente editados. Empresas como a Colossal Biosciences provavelmente reivindicarão patentes sobre os genomas modificados, transformando a vida em propriedade corporativa, podemos ter um precedente disso com o mercado de grãos transgênicos onde há, por pressão das gigantes como a Monsanto, o que os analistas chamam de "privatização da vida" mas que está mais para “estatização da vida”. Isso arreganha as portas para o que poderíamos chamar de “neofeudalismo genético”: um futuro onde a biodiversidade, e até a vida humana, seja controlada por monopólios protegidos por leis estatais. Se esses animais forem liberados na natureza e cruzarem com espécies selvagens, quem deterá os direitos sobre os híbridos resultantes? Zoológicos ou reservas naturais terão que pagar royalties para exibi-los? Estamos mais próximos de uma distopia tecnofeudal do que de um avanço benéfico para a humanidade.
Se a tecnologia permite recriar lobos e mamutes, o próximo passo lógico é aplicá-la aos humanos. Aqui entra o transhumanismo: a ideia de usar a biotecnologia para “aperfeiçoar” nossa espécie, curando doenças ou ampliando capacidades físicas e cognitivas. Empresas poderiam oferecer clonagem de animais de estimação falecidos com melhorias genéticas personalizadas, criando um mercado de pets projetados, uma versão real do elefante miniaturizado criado como portfólio para a empresa Ingen de John Hammond no livro de Jurassic Park. Mas o impacto mais profundo seria justamente em nós, a humanidade. Pais com muita grana poderiam escolher características específicas para seus filhos, como inteligência superior ou resistência física, o que pode acabar acentuando desigualdades sociais e econômicas, se hoje em dia ser calvo já é motivo de chacota e é considerado "coisa de pobre", imagina ficar de fora da melhoria genética, questões essas abordadas no excelente filme Gattaca, que recomendo a todos assistirem.
Sob uma ótica libertária, isso gera um dilema: a liberdade individual deve incluir o direito de modificar geneticamente a si mesmo ou aos próprios descendentes? Ou há limites éticos que justificam intervenção? A resposta mais correta seria deixar o mercado e os indivíduos decidirem sem interferência estatal, pois como analisado em Gattaca, são as estruturas hierarquicas centralizadas a fonte da discriminação social e elas só causam mais e mais desigualdades, enquanto o mercado como agente descentralizado tem sempre o incentivo de abranger o maior numero de pessoas o estado busca sempre desonerar a sociedade, por meio de impostos, para manter os previlégios de uma "classe".
Os lobos-terríveis, mamutes e futuros organismos recriados são menos soluções práticas e mais tentativas de criar mercados especulativos, misturando emoção, narrativa e inovação. Eles podem ser o alicerce de um futuro transumanista, redefinindo o que significa ser humano ou animal. Mas, por enquanto, parecem mais um produto de entretenimento do que uma resposta aos desafios reais que enfrentamos. A grande questão permanece: qual é o limite ético da nossa capacidade de interferir na vida? Só o tempo, e as flutuações do mercado, dirão.
https://www.vox.com/future-perfect/407781/these-fluffy-white-wolves-explain-everything-wrong-with-bringing-back-extinct-animals?utm_source=chatgpt.com
https://colossal.com/direwolf/science/