Médicos e enfermeiros são espancados pelos próprios pacientes

“E mesmo quando eles ficavam insatisfeitos, como às vezes ficavam, essa insatisfação não levava a nada, pois, desprovidos de ideias gerais, só conseguiam se concentrar em injustiças específicas e mesquinhas.” - 1984

A crescente violência contra médicos e profissionais da saúde no setor público tem levado muitos a repensarem se desejam continuar a atender no serviço público de saúde. A maior parte das agressões acontecem em unidades de pronto atendimento, as UPAs, e em prontos-socorros dos hospitais públicos. A situação tomou tamanha proporção que um médico entrevistado, ao relatar uma das diversas agressões que sofreu, declara "A gente trabalha com receio de ser o próximo a ser esfaqueado". Perceba, não com receio de ser esfaqueado, mas de ser o próximo. Outra enfermeira, após ser agredida com socos e arranhões pela filha de uma paciente, contou que o marido, ao tomar conhecimento do que havia ocorrido, lamentou: "Um dia eu irei buscar o seu corpo no seu trabalho". Só em 2024 foram 12 médicos agredidos por dia no Brasil, o maior registro da série histórica.

Na maioria das vezes os profissionais optam por não denunciar as agressões. A compaixão e o cuidado pelo outro é algo cultivado na profissão desde o início da faculdade. A cobrança pela disponibilidade a todo tempo, faça chuva ou faça sol, vem desde o internato, mesmo às custas de sua própria saúde. De fato, é muito comum que médicos relatem atender pacientes com menos problemas de saúde e menos debilitados do que eles mesmos se encontram no momento da consulta.

Apesar disso, diversos vereadores e outros políticos encheram as redes sociais com vídeos em que buscam flagrar médicos no ambiente de trabalho supostamente negligenciando o tratamento dos seus pacientes. Eles parecem acreditar que a exceção de maus profissionais prestando um péssimo atendimento é a regra dentro desse meio. Esses vídeos de fato têm tido muitas visualizações e incitado vários casos recentes desses tipos de ataque por parte de pacientes. Alguns dentre os muitos indignados com a qualidade ruim do serviço de saúde pública, estão apenas à procura de desculpas para descontar sua raiva em quem quer que vejam pela frente: em geral um trabalhador.

O crescimento no número de casos de agressão chega a 68% na última década, evidenciando uma tendência que antecede esse circo promovido por parasitas estatais tentando justificar a posição que ocupam. Diante dessa insegurança, a reação do estado, na figura do conselho federal de medicina, se resume em algo do tipo: “Que coisa, gente… Absurdo isso…”. E a solução que esse propõe, como sempre, passa por mais papel escrito dizendo basicamente: “Ai, ai, ai, não pode fazer isso, hein. Vou escrever de novo aqui que não pode, tá? Se isso não evitar de você apanhar, você faz um boletim de ocorrência, se ainda estiver vivo”.

(Sugestão de Pausa)

A verdade é que tanto o diagnóstico da situação quanto o remédio estão equivocados. Algo bem mais estrutural está na origem desse fenômeno. Nesse vídeo, investigaremos as causas reais dessa onda que acometeu o Brasil e iremos propor um tratamento libertário que ajude de fato a reduzir novos surtos.

A história do SUS, sistema único de saúde, vem desde o final do regime militar brasileiro. Até aquele momento, vigorava no Brasil um atendimento em saúde da seguinte forma:

As pessoas que estavam inseridas no mercado de trabalho pagavam um percentual de seu salário para o INPS, o instituto nacional de previdência e seguridade social.

De posse desse recurso o governo destinava parte dele para entregar a hospitais credenciados em todo o país de acordo com vários critérios, incluindo a quantidade de atendimentos que esses realizavam.

Essa dinâmica de incentivos gerava o resultado mais ineficiente para quem pagava por tudo isso: o cidadão. O estado se colocava como intermediador de uma relação que simplesmente nunca precisou desse papel. Com o controle dos recursos que não eram seus e usando para fins que não o beneficiava, era óbvio que a administração desse dinheiro seria, naturalmente, da pior qualidade possível. Não era incomum que hospitais declarassem atendimentos que nunca realizavam, entre outras inconsistências, somente para receberem cada vez mais recursos. Isso era feito sem pudor porque quem estava entregando o dinheiro, não estava interessado no serviço que este oferecia, só repassava o montante recebido do verdadeiro cliente.

Organizado dessa forma o atendimento se tornou cada vez mais precário enquanto enriquecia um pequeno grupo de empresários inescrupulosos, muitos deles amigos do governo. Era um sistema que premiava os corruptos, os mentirosos e mesquinhos, e punia aqueles que buscavam de fato prestar um bom atendimento em saúde à população. Eventualmente os maiores empregadores se tornaram justamente os hospitais geridos pelos piores tipos de indivíduos e estes exploradores passavam a explorar também os médicos. Pagavam cada vez menos, não forneciam os materiais necessários a um bom atendimento, pioravam o ambiente de trabalho. Perceba como a quebra de uma relação contratual direta pela imposição de um mediador, foi o que gerou toda essa gama de novos incentivos e suas consequências.

(Sugestão de Pausa)

Esse tipo de gestão piorou e muito a prestação do serviço de saúde e, tanto médicos quanto a população passaram a reivindicar maior qualidade nessa relação. Algumas pessoas da elite, guiadas principalmente por ideologia marxista, e sedentas por poder político que não possuíam graças à ditadura militar, viram nessa insatisfação uma oportunidade. Composto também por médicos e profissionais da saúde, esse grupo veio a se intitular de movimento reformista sanitário e acreditavam ter as ferramentas necessárias para resolver esse problema. Começou-se a gestar um projeto político-ideológico que eventualmente se resumiu no mote: “Saúde é um direito de todos e um dever do estado”.

Você deve ter reconhecido essa frase. Ela passou a constar na constituição federal de 1988 por influência desse grupo. A professora doutora Sarah Escorel, em seu livro “Reviravolta na saúde: origem e articulação do movimento sanitário”, fala sobre esse momento na história.

“(…) o lema ‘saúde é um direito de todos e um dever do estado’ deixara de ser uma utopia de comunistas e socialistas para tornar-se um preceito constitucional e lema de propaganda governamental (…)” Um triste momento na história para quem entende as reais implicações desse suposto “direito”.

De toda forma, dois anos depois da constituição de 88, o SUS, como o conhecemos hoje seria regulamentado e colocado em operacionalização. E o que mudou em relação aos incentivos que o modelo anterior criava? Será que agora temos uma conexão direta entre prestador de serviço e consumidor? A resposta surpreende: Sim…já que agora o prestador é o próprio estado. Veja, a descentralização em relação às funções de cada ente da União, governo federal, estadual e municipal, trouxe o paciente para mais perto de seu prestador de serviço, principalmente aquele paciente que é atendido no posto de saúde.

Para quem não sabe, os postos de saúde, ou UBS, unidades básicas de saúde, são de competência do município. As UPAs estão sujeitas ao governo do estado e os grandes hospitais públicos são de responsabilidade federal. Já vemos aqui um padrão coerente com os casos de agressão: quanto mais distante o responsável pelo serviço prestado está, maior o número de casos. Quando o atendimento é de urgência e o indivíduo não consegue cobrar de seu prestador um serviço melhor, maior a chance de ele incorrer em vias de fato.

(Sugestão de Pausa)

Agora, enquanto um dos problemas foi atenuado para uma pequena parte das pessoas que buscam o serviço de saúde, muitos outros foram criados e vários dos antigos foram aprofundados. E a origem de todos eles é que, como vimos, o prestador do serviço de saúde passou a ser o próprio estado.

Trabalhadores em sistemas estatais muitas vezes se tornam burocratas, trabalhando mais por estabilidade do que por desempenho. Profissionais motivados são corrompidos pelo sistema e pela pressão dos próprios colegas. Não há mérito em ser melhor, só mais trabalho. A própria alocação de recursos sem um sistema de preços é baseada em diretrizes políticas e administrativas. Essa distribuição tende a ser descoordenada da demanda real, pois não responde diretamente ao consumidor, mas sim a planejadores centrais.

As consequências desse novo arranjo leva à desresponsabilização individual: o cidadão passa a exigir saúde como algo “devido” pelo estado, e não como um serviço que deve contratar, avaliar e do qual deve se responsabilizar pela escolha. O governo por sua vez não vê necessidade alguma de melhorar seus serviços a não ser por razões políticas, entregando somente o que for necessário para que não o afete na próxima eleição. Quem não se lembra de “a melhor vacina é a que tem”? O resultado são filas, desperdício, escassez em algumas áreas e excesso em outras, pacientes e médicos descontentes e, mais do que isso, um prejuízo real para a saúde da população.

As repercussões de se ter o estado como prestador de saúde, afetam também o prestador privado que se vê competindo com uma máquina colossal de desperdício, que encarece os insumos, coopta fornecedores, e se torna quase monopolista em diversas áreas. Isso inviabiliza economicamente muitos serviços que poderiam existir caso o SUS não existisse. Até mesmo os planos de saúde não podem escolher quais serviços vão oferecer. O ministério da doença, digo, da saúde entrega uma lista pré-definida de procedimentos que devem ser prestados independente da estrutura do serviço de saúde. Aquele paciente no pronto-socorro, angustiado com a demora pra ser atendido, foi tolhido de diversas opções que estariam dentro de seu orçamento e resolveriam o seu problema, tudo por conta de uma solução ineficiente imposta a ele.

Se a saúde funcionasse como um mercado livre, o sistema de preços e a concorrência permitiriam melhor eficiência naturalmente. Inovação, responsabilidade e atendimento centrado no paciente seriam gerados pelo estímulo dos próprios incentivos, pois prestadores seriam diretamente remunerados por seus serviços. Além de melhorar o atendimento, o paciente passa a ter consciência de que deve buscar o serviço que melhor lhe atenda. E caso este venha a apresentar problemas como falta de recursos, instalações inadequadas, falta de profissionais, ele saberá que deve cobrar e reclamar com o prestador, em vez de, simplesmente, descontar no profissional que o atende. O profissional percebe que o seu esforço é recompensado se ele se torna uma referência a tal ponto de atrair mais pacientes, e por isso passa a gozar de maior investimento e melhores condições de trabalho. Esses incentivos estão contidos numa relação quando esta é uma relação contratual direta, sem intermediários.

(Sugestão de Pausa)

Apesar de partirem de problemas reais do sistema de saúde vigente à época, muitos deles criados pelo próprio governo tutelando as relações entre os indivíduos, e, ainda que você suponha a boa fé dos proponentes dessa política, a solução gerada só aprofundou os problemas que ela supostamente tentava resolver. O SUS é um sistema economicamente insustentável a longo prazo e eticamente problemático ao defender que saúde é um “direito”, sendo que depende de outras pessoas fornecerem o tal “direito”. A origem da violência que atinge os profissionais de saúde não é por conta de alguns vídeos que viralizaram recentemente, ela é resultado da disposição desse sistema que promete muito e o pouco que entrega não vale a destruição que causou para tal.

Nós libertários não estamos pregando um sistema perfeito, apenas um com melhores incentivos e que naturalmente tende a ser mais eficiente para todas as partes. Muitos criticam as soluções libertárias levantando os pontos cegos ou simplesmente dizendo que teriam problemas. É claro que teriam problemas! Muitos deles que já existem no sistema atual em muito maior escala:

“Ah mas e os pobres?” – Ora, e os pobres agora, eu te pergunto? Quantos morrem na fila do SUS aguardando por anos uma consulta ou uma cirurgia?

“Mas vai enriquecer alguns em cima da doença dos outros!” – E quem você acha que é beneficiado com todas as licitações superfaturadas de hoje? Com quem fica o imposto altíssimo pago pelos mais humildes?

“Na verdade, enquanto as massas não tiverem parâmetros de comparação, elas nunca se tornarão conscientes de que são oprimidas.” - 1984 p.192

Se tivéssemos aproveitado o momento histórico da redemocratização e seguido no sentido de migrar do antigo formato para um ainda mais livre, com certeza seria muito mais fácil essa mudança do que com o sistema atual. Torçamos para que os médicos e profissionais da saúde, busquem conhecer de forma crítica o que de fato é o SUS e não venham mais a apoiar soluções de maior intervenção do estado. Fazendo isso só estaríamos a repetir a história e colheríamos inevitavelmente mais ineficiência do que temos hoje, além de agravarmos as próprias condições de trabalho e prejudicarmos o cuidado dos pacientes.

Referências:

"1984" Orwell, George; tradução de Alexandre Barbosa de Souza. - São Paulo: Via Leitura, 2021. (Clássicos da Literatura Universal)
"Reviravolta na Saúde: origem e articulação do movimento sanitário." Escorel, Sarah. – Rio de Janeiro : Editora Fiocruz, 1999. Disponível em https://static.scielo.org/scielobooks/qxhc3/pdf/escorel-9788575413616.pdf