O governo cria um novo esquema para arrecadar bilhões com as apostas esportivas, transformando o vício em fonte de receita. Sob a ótica libertária, é mais um exemplo de espoliação legal e hipocrisia estatal.
O governo federal anunciou uma nova medida provisória que, segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, deve render cerca de R$ 5 bilhões aos cofres públicos. Apresentada como alternativa ao aumento do IOF, a MP tem como alvo o setor de apostas esportivas — as famosas “bets” —, que se multiplicaram pelo país nos últimos anos. O plano prevê a criação de um regime especial chamado RERCT Litígio Zero Bets, permitindo que empresas repatriem lucros não declarados entre 2014 e 2024, pagando 30% sobre o montante — metade de imposto, metade de multa.
A medida foi apresentada com entusiasmo quase empresarial. O mesmo governo que até ontem acusava as apostas de explorarem o vício agora as vê como oportunidade de arrecadação. Se o vício é inevitável, que ao menos seja lucrativo — para o Tesouro, claro. O moralismo estatal, como sempre, termina onde começa a contabilidade.
Inicialmente, Haddad cogitava aumentar o imposto sobre o Gross Gaming Revenue (GGR), a receita bruta das casas de apostas, de 12% para 18%. Após negociações e pressão das empresas, o plano foi substituído por algo considerado mais “inteligente”: em vez de tributar o futuro, o governo decidiu taxar o passado. Assim nasceu o programa de regularização retroativa, um verdadeiro “confessionário fiscal” em que as empresas podem admitir lucros não declarados e pagar 30% para se redimir.
A MP também obriga provedores de internet a removerem sites de apostas ilegais em até 48 horas após notificação. Na prática, essa medida transforma provedores de internet em policiais digitais a serviço do governo. E o que começa com apostas pode muito bem terminar com censura de conteúdo político ou econômico “não autorizado”. O estado cria um precedente perigoso: se pode decidir quais sites o cidadão pode acessar para jogar, logo decidirá quais notícias ele pode ler, quais ideias pode defender e até quais transações financeiras pode realizar.
O curioso é que, enquanto Haddad anuncia “regularização” e “transparência”, o verdadeiro objetivo é o mesmo de sempre: tapar o rombo das contas públicas sem cortar um centavo do gasto estatal. O governo, que vive acusando empresários e investidores de “ganância”, agora vasculha até os lucros de quem acerta o placar de um jogo, para sustentar sua própria gula. Em vez de corrigir o problema de base — o gasto descontrolado, a máquina inchada, a burocracia improdutiva — prefere sugar mais um setor que nasceu espontaneamente do interesse popular.
A retórica oficial — “regular o mercado”, “proteger o consumidor”, “combater o jogo ilegal” — soa nobre, mas esconde o verdadeiro propósito: arrecadar. É o mesmo ciclo de sempre. Primeiro o estado proíbe, depois tolera, em seguida regula e finalmente tributa. Cada etapa amplia seu poder e aperta o cerco sobre o cidadão.
Sob a ótica libertária, trata-se de mais um capítulo daquilo que Frédéric Bastiat chamou de espoliação legal: o uso da lei para tomar de uns e dar a outros. Bastiat afirmava que a função legítima da lei é proteger a vida, a liberdade e a propriedade. Quando ela faz o contrário — violando essas mesmas propriedades — deixa de ser um instrumento de justiça e se torna uma ferramenta de dominação. Nada ilustra isso melhor do que o caso das “bets”.
O estado, incapaz de criar riqueza, busca se apropriar da riqueza alheia. E quando vê indivíduos prosperando sem sua bênção, corre para erguer cercas. O instinto estatal é parasitário: não produz, apenas se alimenta da energia dos que produzem. O governo, que por décadas demonizou o jogo como ameaça moral, agora o transforma em virtude fiscal. Se o cidadão joga e perde, azar o dele; se o cidadão ganha, sorte do Tesouro.
O mesmo Estado que proibiu cassinos em 1946 “para proteger a moral” agora quer ser sócio das casas de apostas — e, se possível, dono do balcão onde as fichas são vendidas. A proibição, como sempre, apenas empurrou o jogo para a clandestinidade. O brasileiro nunca deixou de apostar; apenas mudou de mesa. Onde havia fichas e roletas, há agora aplicativos e cartões de crédito. O instinto de arriscar — tão humano quanto respirar — apenas migrou para o digital. O que mudou não foi o comportamento, mas o cobrador. Agora, décadas depois, o governo tenta “corrigir” o problema que ele mesmo criou — cobrando por isso.
A história mostra que a proibição raramente elimina o comportamento proibido; apenas muda quem lucra com ele. A proibição sempre funcionou assim: primeiro, empurra o desejo para a clandestinidade; depois, cria uma crise que só o próprio governo pode “resolver”; por fim, vende a solução.
Proíbem os cassinos, e nasce o jogo do bicho. Proíbem o jogo do bicho, e surge o bingo. Proíbem o bingo, e aparecem as bets online. O mercado simplesmente se adapta, porque a vontade humana de arriscar é mais forte do que qualquer decreto. No final, o estado gasta milhões tentando controlar o incontrolável e, quando percebe que não pode vencer, muda de discurso: transforma a proibição em tributação.
Nos Estados Unidos, a Lei Seca não acabou com o consumo de álcool — apenas fortaleceu o crime organizado. No Brasil, a proibição do jogo não acabou com as apostas — apenas fortaleceu o mercado paralelo.
“Regular” é o verbo mais perigoso da língua política. Sob ele, cabe tudo: censura, confisco, vigilância, privilégio. A regularização das bets segue esse padrão: sob o pretexto de “organizar”, o governo burocratiza. Licenças, selos, taxas e fiscalizações se tornam barreiras à entrada. As grandes empresas se adaptam; as pequenas morrem. O resultado é concentração de mercado e aumento de preços, enquanto o estado posa de protetor.
A regulação legítima é voluntária — feita por empresas que prezam pela própria reputação e precisam da confiança de seus clientes. Num mercado livre, a concorrência e a transparência substituem o fiscal e o cartório. O consumidor escolhe, e as más empresas desaparecem naturalmente. Mas o estado não tolera sistemas autônomos. Ele teme o livre-arbítrio porque o livre-arbítrio torna o poder obsoleto. Por isso, precisa constantemente inventar “razões” para intervir.
O controle estatal chega ao cúmulo de propor restrições a beneficiários do Bolsa Família, impedindo-os de acessar sites de apostas, sob a justificativa de “proteger os vulneráveis”. Mas, na prática, trata-se de um insulto disfarçado de compaixão. O estado que cria dependência agora quer supervisionar o uso do pouco dinheiro que distribui, como se dissesse: “Você é pobre, mas é meu pobre”.
Esse tipo de medida escancara a visão paternalista do estado brasileiro: o cidadão é tratado como um eterno incapaz, um menor de idade que precisa de tutela. E quem é o tutor? Justamente o mesmo governo que desperdiça bilhões em esquemas de corrupção, campanhas eleitorais e obras inacabadas. É como se um alcoólatra tentasse dar lição de moral sobre sobriedade.
Sob a perspectiva libertária, a liberdade individual inclui o direito de fazer escolhas ruins. Apostar, beber, fumar, amar, empreender ou falir — tudo isso faz parte da autonomia. A liberdade não é a ausência de riscos, mas a responsabilidade sobre eles.
O discurso de Haddad sobre “modernização” e “arrecadação justa” é apenas o verniz de uma velha prática: extrair recursos de qualquer atividade humana que gere lucro. Num país onde tudo é taxado — renda, consumo, lucro, propriedade e até herança —, o cidadão agora paga imposto até sobre o azar. O governo se comporta como um agiota moralista: condena o pecado, mas cobra caro por ele.
A regulamentação das apostas é, portanto, menos uma tentativa de organizar o setor e mais um expediente para inserir o estado como sócio forçado. Ele não oferece nada — nem infraestrutura, nem segurança jurídica —, apenas chega exigindo sua parte. É a parceria típica do parasita com o hospedeiro.
Se o vício é um mal, o governo lucra com o mal. Se o vício não é um mal, ele o proibia injustamente. Em ambas as hipóteses, o estado está errado. A contradição moral é inevitável porque o poder político é movido por hipocrisia. O estado não quer combater o vício — ele quer monopolizá-lo.
E há um vício que ele jamais admitirá ter: o vício do poder. Ele precisa que as pessoas sejam dependentes, para continuar sendo necessário. Ele precisa que a sociedade o tema, para continuar sendo obedecido. O poder, uma vez experimentado, se comporta como heroína: cada dose exige outra, maior e mais profunda. E quanto mais o estado consome, menos espaço resta para a liberdade.
Enquanto isso, a verdadeira casa de apostas é Brasília. Políticos apostam diariamente com o dinheiro dos outros, gastando o que não têm e prometendo o que não podem cumprir. Quando perdem, aumentam impostos. Quando ganham, aumentam também. A roleta gira, mas quem sempre paga a conta é o contribuinte. O estado é o único cassino em que o jogador não tem escolha, o croupier nunca perde, e o jogo é obrigatório.
No fundo, portanto, o que está em jogo — sem trocadilho — não é o vício das apostas, mas o vício da dominação. O governo quer faturar com a moralidade alheia e com o erro dos outros. Enquanto isso, quem realmente cria valor continua sendo punido, e quem administra a máquina parasitária segue protegido. A aposta mais arriscada, hoje, é confiar que o estado deixará algum setor livre sem querer sua fatia. O brasileiro, cansado de trabalhar para sustentar essa engrenagem, talvez devesse aprender a maior lição libertária possível: o único jeito de “vencer o jogo” é parar de jogar o jogo do estado.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Jogos_de_apostas_no_Brasil
https://pt.wikipedia.org/wiki/A_Lei
https://www.gamesbras.com/english-version/2025/10/7/joint-committee-approves-mp-report-without-increasing-bets-tax-but-with-controversial-retroactive-59126.html