Sem o Estado, QUEM vai EMPURRAR uma ILHA?

Quantos políticos você conhece que empurrariam uma ilha com os próprios barcos pela sua comunidade? E sem eles, quem faria isso?

Existe uma ilha no estado de Wisconsin, nos Estados Unidos, que não gosta de ficar parada. Sim, uma ilha inteira, com árvores, vegetação e até bichos vivendo dentro, decide sair flutuando sozinha pelo lago Chippewa.

Como se fosse um navio sem capitão, ela atravessa calmamente a água até encostar e bloquear a única ponte que liga o lado leste ao oeste do lago, junto com um estacionamento de barcos que fica logo embaixo. E quando isso acontece, ninguém passa.

A ilha se chama Forty Acre Bog, e não é pequena, tem cerca de 40 acres. O mais curioso não é o fenômeno em si, mas a forma como o problema é resolvido. Sem sirene, sem helicóptero, sem caminhão do Corpo de Bombeiros, sem pronunciamento do governador, sem verba superfaturada. Quando a ilha bloqueia a ponte, os moradores se juntam, pegam seus barcos e empurram a ilha de volta pro lugar, usando força bruta e coordenação. Um mutirão de gente comum, resolvendo um problema incomum, sem ajuda do estado.

Parece absurdo, né? Mas é real, e acontece quase todo ano. Tá, mas por que isso importa? Porque essa história é muito mais do que uma curiosidade estranha, é uma imagem viva, concreta e simbólica de um debate que parece não ter fim: “sem o estado, quem vai cuidar das coisas? Quem vai asfaltar a rua? Quem vai recolher o lixo? Quem vai manter a iluminação pública? Quem vai empurrar a ilha?".

Esse tipo de pergunta é quase sempre feita em tom de provocação, por pessoas que não conhecem o libertarianismo e tem dificuldade em imaginar um mundo sem o leviatã. É uma crença enraizada: a de que só o governo pode cuidar do que é coletivo, como se comunidades inteiras simplesmente parassem de funcionar sem alguém de terno e crachá dizendo o que fazer.

Se um monte de moradores conseguem, ano após ano, resolver um problema que, literalmente, bloqueia a única ponte do lugar — sem imposto, sem contrato público e sem nada além de organização e interesse comum — por que a gente continua achando que tudo precisa passar pelo filtro estatal? A pergunta não é “quem vai empurrar a ilha?”, mas sim “por que a gente acha que só o estado empurraria”?

“Ah, mas isso é um caso isolado, uma vila pequena, um lago nos EUA... não dá pra generalizar”. Sim, verdade, é um exemplo localizado. Mas e se a exceção apontasse pra uma regra diferente? E se, em vez de ser só uma anedota curiosa, essa história apontasse pra um modelo mais simples, mais direto, mais honesto de resolver problemas cotidianos?

Talvez você esteja pensando: “mas isso funciona porque é uma situação pontual, fácil de resolver, sem grandes complicações. Uma ilha, alguns barcos e pronto”. De fato, mas esse é justamente o ponto.

Porque o que impede, hoje, que as pessoas se organizem pra resolver problemas simples — como tapar um buraco, limpar uma praça, cuidar de uma rua — quase nunca é a falta de capacidade. É a presença de obstáculos. E esses obstáculos, na maioria das vezes, têm nome: burocracia estatal.

Se você e seus vizinhos decidirem pagar do próprio bolso pra asfaltar a rua em frente às casas, muito provavelmente serão impedidos. Tem lei dizendo que não pode, ou taxa que precisa ser paga, ou precisa de permissão da prefeitura, ou tem uma estatal que tem o “monopólio” do serviço.

E aí? A vontade vai embora. A energia desaparece, e a rua continua esburacada. Enquanto isso, o imposto segue sendo cobrado. Porque o governo nunca atrasa a conta.

A história da ilha serve como metáfora justamente por isso. Porque ela mostra como os problemas coletivos podem ser resolvidos sem intermediação estatal. Mostra como, quando o incentivo é real, e o impacto é direto, as pessoas agem. Mas claro, também não dá pra romantizar. Resolver o problema da ilha exige barcos, exige tempo, exige coordenação. Nem todo mundo pode ou quer participar, mas a ilha precisa ser empurrada, e quem entende isso, age. Não por obrigação, ou ordem de cima, mas por necessidade real.

E é isso que falta nas estruturas estatais: o interesse direto. Pois quando ninguém tem responsabilidade pessoal, tudo se dilui, a culpa vira do sistema, e o sistema nunca faz sua parte.

Mas, então, sem o estado, quem vai asfaltar a rua? A resposta que a visão libertária traz é, na verdade, uma inversão do problema. Não é que sem o estado ninguém faça nada. O que acontece é que, sem coerção estatal, as pessoas passam a agir por vontade própria, por interesse direto, por necessidade real.

Se sua rua está cheia de buracos, quem vai querer andar por ela? Você, seus vizinhos, todos os moradores da região. O custo de não agir é alto demais — desde desgaste do carro até risco de acidente. Então, por que não se organizarem para resolver o problema? Pagando uma empresa local, contratando um serviço melhor, negociando, acompanhando a obra — e, principalmente, tendo poder de escolha. Se não gostarem do serviço, podem trocar. Se acharem caro demais, podem negociar. Se uma empresa não entregar, a próxima será cobrada para entregar melhor.

No modelo estatal, tudo é diferente. Você paga imposto mesmo que não queira, mesmo que não use. O dinheiro é redistribuído de forma centralizada, com dezenas de camadas de burocracia e ausência de feedback direto. O serviço é planejado e executado por um órgão distante, que não sente o impacto direto da qualidade do asfalto na sua vida. Além disso, o processo estatal é lento e cheio de entraves. Licitações, processos de contratação, fiscalização que muitas vezes é só no papel, e prazos que nunca são cumpridos. Sem falar na possibilidade real de corrupção, superfaturamento e desperdício.

Já na organização voluntária, o incentivo está claro: todo mundo quer a rua arrumada, todo mundo se beneficia, e ninguém quer pagar mais do que o necessário. Os interesses estão alinhados. O custo de transação é menor. A responsabilidade é compartilhada.

Essa ideia se aplica não só ao asfalto, mas a várias outras áreas: limpeza pública, segurança, manutenção de áreas comuns, transporte e até educação. Em todos esses casos, a soberania do indivíduo e a organização voluntária mostram-se mais eficientes, baratas e alinhadas com as necessidades da comunidade.

Na prática, empresas e plataformas que descentralizam serviços já estão provando isso. Uber e iFood, por exemplo, quebraram o monopólio de serviços de transporte e entrega, oferecendo opções melhores, mais rápidas e mais baratas, sem depender de um órgão estatal monopolista.

A descentralização reduz o custo de transação. Em vez de esperar por uma licença, licitação ou decreto, você acessa o serviço com um clique, podendo escolher, avaliar, trocar, cancelar. Tudo isso porque a organização não é hierárquica e sim baseada em redes de confiança e contratos livres.

Outro ponto fundamental é que estruturas hierárquicas tendem a desaparecer quando o custo de transação é alto demais. O que isso quer dizer? Que sistemas centralizados, burocráticos, cheios de regulamentos, acabam perdendo espaço para sistemas mais ágeis e flexíveis. Por isso, em diversos setores, soluções que vêm “de baixo para cima” dão certo — como fintechs, coworkings, plataformas digitais, agricultura urbana e educação alternativa.

A lógica da ação coletiva funciona porque o indivíduo tem o poder e o interesse em agir. E não precisa esperar pelo “chefe” para tomar a frente. No caso da ilha do lago Chippewa, os moradores têm uma motivação clara: passar pela ponte. O interesse é direto e imediato, e a ação também.

E o estado? Muitas vezes, mais atrapalha do que ajuda, criando camadas de burocracia e regulações que impedem soluções espontâneas e cobrando altos impostos que desestimulam a iniciativa privada e a cooperação comunitária.

O medo do “sem estado, quem vai cuidar?”, muitas vezes é mais uma desculpa para manter privilégios e o controle do poder centralizado, do que uma preocupação real com o bem-estar coletivo.

No fundo, a visão libertária defende a soberania do indivíduo e das comunidades locais. Acredita que as pessoas, quando livres e responsáveis, sabem o que é melhor para elas. Que, juntas, podem organizar-se para resolver seus problemas de forma eficiente, justa e voluntária. Que o estado é um obstáculo — e não uma solução.

Então, a gente chega na parte mais desafiadora: o que fazer quando o problema é grande demais para um bairro, uma vila ou uma comunidade pequena? E as cidades enormes? E o país inteiro? Será que a ideia de organizar tudo pela iniciativa individual e comunitária ainda funciona?

É claro que problemas complexos e de grande escala exigem coordenação. Mas a visão libertária não diz que o conceito de governança deve desaparecer — mas sim, ser substituído, caso necessário, por uma governança privada. Caso uma comunidade ache necessário um ente privado, que cumpra funções mais complexas que hoje ficam a cargo do estado, tal estrutura pode ser criada, desde que sem coerção.

Por exemplo, imagine uma cidade grande que precisa de um sistema de transporte eficiente. Hoje, isso normalmente fica nas mãos de empresas estatais, com pouca concorrência, contratos eternos e tarifas definidas politicamente. Isso gera ineficiência, falta de inovação e insatisfação geral.

E se, ao invés disso, o transporte fosse organizado por várias empresas privadas concorrendo para atender os usuários? Cada uma com rotas, horários e preços diferentes, mas todas reguladas por contratos claros, firmados com as próprias comunidades? A concorrência traria mais opções, qualidade, custo-benefício e agilidade.

Outro exemplo: a segurança pública. Em muitos países, a polícia é estatal e monopoliza a função. Mas já existem iniciativas privadas e comunitárias que mostram que, quando organizadas com responsabilidade e fiscalização, podem prover segurança eficiente e próxima da população. Bairros inteiros contratam empresas privadas de segurança, vigilância e até sistemas tecnológicos que se adaptam às suas necessidades.

Além disso, a educação, a saúde, a coleta de lixo e até o saneamento básico podem ser organizados de formas alternativas, mais flexíveis, com foco no cliente e na eficiência. A tecnologia e a descentralização permitem hoje modelos inovadores, que fogem do padrão estatal e trazem benefícios reais para a população.

Claro que há desafios: nem todo mundo terá a mesma capacidade financeira para contratar serviços privados. Por isso, a ideia libertária também contempla formas de auxílio voluntário, filantropia e redes de apoio que não passam pela coerção estatal, mas pela cooperação genuína.

Também é importante lembrar que o modelo atual, centrado no estado, não é uma garantia de solução para os pobres. Muito pelo contrário: o sistema tributário pesado e o monopólio estatal sobre serviços essenciais acabam onerando justamente quem menos pode pagar, entregando serviços ineficientes e de baixa qualidade.

Por isso, pensar em liberdade econômica, autonomia individual e descentralização não é um sonho inalcançável. É um caminho para um mundo onde as pessoas podem escolher, agir e assumir responsabilidade pela própria vida — e, juntas, construir comunidades mais justas, eficazes e solidárias.

Voltando à ilha flutuante do lago Chippewa, sua existência e a maneira como o problema da ponte bloqueada é resolvido são um símbolo: não precisamos de um estado gigante e coercitivo para tudo funcionar. Precisamos de pessoas dispostas a agir, colaborar e se organizar sem esperar pelo poder central.

A ilha nos ensina que a responsabilidade compartilhada funciona. Que o poder do coletivo existe e pode ser exercido sem burocracia, imposição, ou coerção. Que quando o interesse está alinhado, a solução surge.

No fundo, a grande lição é que liberdade e responsabilidade andam juntas. E que a verdadeira liberdade é quando você sabe que pode fazer a diferença — e aceita as consequências dos seus atos.

É esse espírito que pode transformar nossa sociedade, tirando o peso da máquina estatal das costas de quem realmente quer e pode fazer diferente. Porque, afinal, sem o estado, quem vai empurrar uma ilha? Quem de fato depende de algo e não pode ficar parado.

Referências:

https://m.youtube.com/watch?v=a3hMWVloAO0&list=PLY4SlgnMsZVasbgF5IKKOhefpelFgEpmq&index=1&pp=iAQB

https://www.chippewaflowage.com/the-story-about-bogs/

https://m.youtube.com/watch?v=s4ufIHdRJQc&list=PLY4SlgnMsZVasbgF5IKKOhefpelFgEpmq&index=3&pp=iAQB0gcJCcEJAYcqIYzv

https://rotasdeviagem.com.br/conheca-a-ilha-gigante-que-precisa-ser-empurrada-por-barcos-uma-vez-por-ano-forty-acre-bog/