TRAORÉ: O novo "CHE GUEVARA" surge na ÁFRICA.

É curioso como certas imagens colam. Um homem de boina vermelha, discurso inflamado, pose revolucionária… e pronto: Che Guevara renasceu. Ou pelo menos é o que parece

Ibrahim Traoré, o novo símbolo do anti-imperialismo africano, "presidente interino" de Burkina Faso, e o novo queridinho da esquerda brasileira. Jovem, militar, carismático, destemido. Expulsa tropas francesas, fala de soberania, ignora o FMI, estimula discursos anticolonialistas... tudo que faz o coração da esquerda bater mais forte.

E não só no Brasil. De Cuba ao Mali, passando pelos perfis geopolíticos do YouTube, muita gente começou a romantizar essa figura como se fosse um herdeiro legítimo de Sankara, ou pior: como se fosse a redenção da África num homem só.

Ok, mas... quem é de fato Ibrahim Traoré?

O capitão burquinense assumiu o poder em 2022 após liderar um golpe militar, o segundo no mesmo ano no país. O pretexto? Combater a insurgência jihadista. O contexto? Um país com mais de 60% da população em pobreza extrema, conflitos étnicos violentos, ataques religiosos, e um Estado em colapso. Com a justificativa da urgência, Traoré dissolveu o parlamento, suspendeu a constituição, adiou indefinidamente as eleições e passou a governar com uma junta militar. Bem... nada que um "projeto de transição" não consiga justificar, né?

Além disso, é difícil falar de Ibrahim Traoré sem lembrar de Thomas Sankara, o revolucionário que governou Burkina Faso nos anos 80, virou símbolo global do pan-africanismo e foi brutalmente assassinado em 1987, num golpe articulado por antigos aliados. Sankara ainda é visto por muitos como um herói que tentou reinventar o país do zero. Por isso, não é surpresa que tanta gente enxergue em Traoré uma espécie de herdeiro simbólico dessa trajetória interrompida — a juventude, a farda, a boina vermelha, o tom desafiador ao Ocidente... tudo parece ecoar aquela figura histórica.

Mas o que começou como promessa virou presença autoritária:

Em fevereiro de 2024, o exército sob comando direto da junta de Traoré executou sumariamente 233 civis — incluindo 56 crianças. Isso não é rumor. Foi documentado por organizações internacionais. E não foi caso isolado. Foram milhares de mortes, deslocamento forçado de milhões, e um ciclo de violência étnica alimentado por milícias paraestatais.

Certo, mas aí vem o contra-argumento: “ah, mas ele enfrentou o imperialismo francês, expulsou os colonizadores, cortou laços com o FMI, desafiou o Ocidente”. Sim, é verdade. E isso agrada muita gente — inclusive intelectuais brasileiros. Tem até matéria da Agência Brasil (veiculada pela EBC, estatal do governo Lula) chamando Traoré de “líder anti-imperialista em destaque”. Comparações com Che Guevara? Estão aos montes, tanto em sites progressistas quanto em redes sociais. Mas vamos parar um instante.

Mas o que exatamente é imperialismo?

O termo remete à dominação de um povo sobre outro, muitas vezes por meios militares ou econômicos. E sim, a África foi vítima disso durante séculos. Colonização, exploração, destruição cultural. Isso tudo existiu — e ainda reverbera. Mas será que a forma de combater esse legado é com mais autoritarismo, mais estatismo, mais centralização de poder, mais violência contra o próprio povo?

A resposta parece óbvia, mas a retórica ideológica costuma turvar o olhar.

Tem um país vizinho — metaforicamente, claro, porque a África tem dimensões continentais — que seguiu um caminho completamente diferente. Um país que também foi colônia, também foi pobre, também tinha tudo pra dar errado. Mas não deu. E não porque teve um líder militar autoritário, ou porque cortou relações com o Ocidente. Não. Deu certo justamente porque... fez o oposto.

Botsuana virou praticamente um milagre econômico africano. Quando se tornou independente em 1966, o país era descrito como um “deserto sem estradas”. Literalmente. Só existiam 12 quilômetros de estrada pavimentada no território inteiro. A maior parte da população vivia da agricultura de subsistência. Sem recursos naturais significativos explorados, sem infraestrutura, sem instituições consolidadas. Ou seja: era o típico cenário pra um colapso... e mesmo assim, não colapsou.

Por quê?

Porque optaram por algo raro: estabilidade política, democracia funcional e liberdade econômica. O Estado não tentou controlar tudo. Não confiscou empresas. Não fechou o país para o mundo. Pelo contrário. Criou um ambiente confiável, seguro, com respeito às leis, incentivo a investimentos, e controle orçamentário. O resultado? Superávits fiscais (coisa rara até pra países ricos), crescimento médio de 7% ao ano durante mais de uma década, redução massiva da pobreza, melhoria nos índices de alfabetização e saúde pública. Uma aula de pragmatismo num continente onde o populismo costuma gritar mais alto que a razão.

E detalhe: nunca houve um golpe de estado por lá. Desde 1966, todas as eleições foram democráticas, pacíficas e aceitas. O mesmo partido pode ter vencido todas? Sim. Mas as regras foram respeitadas. O judiciário é independente. A imprensa é livre. E apesar dos problemas (a taxa de HIV ainda é alarmante, e o desemprego é alto), Botsuana conseguiu provar que não precisa de um herói armado pra crescer. Precisa de instituições funcionando e liberdade pra que as pessoas possam respirar — não obedecer.

Talvez você se pergunte... "mas será que liberdade econômica resolve mesmo tudo? E o papel do Estado? E a justiça social?"

Boa pergunta. E claro, ninguém aqui está dizendo que livre mercado é solução mágica. Mas quando comparado a regimes que prometem “libertar o povo” com baionetas e decretos... ele parece bem mais humano. Afinal, o que é mais empoderador: dar ao indivíduo o direito de tentar, empreender, crescer — ou obrigá-lo a marchar sob ordens de um general “revolucionário”?

Aliás, por que será que os heróis libertadores da esquerda costumam sempre virar líderes vitalícios, com poderes totais, cercados por propaganda estatal, milícias armadas e um culto de personalidade sufocante?

Pois é. É aqui que o buraco começa a ficar mais fundo. Porque a história de Ibrahim Traoré não se resume só à África, ou só a Burkina Faso. Ela se espalha, se infiltra, se transforma em vídeo curto, em imagem de perfil, em legenda romântica. E esse processo não é espontâneo, é calculado e financiando.

Bem-vindo ao populismo algorítmico.

Esse termo aí talvez soe acadêmico demais, mas o conceito é simples: trata-se de manipular as ferramentas digitais — redes sociais, bots, memes, clipes motivacionais — pra construir um líder carismático, inquestionável, com aura de mártir. Não é algo novo. A diferença é que, hoje, o soft power (aquele poder que não usa tanques, mas sim narrativas) ganhou uma turbina extra: o algoritmo.

A Rússia, por exemplo, entendeu isso muito antes da maioria. E investiu pesado em mídia digital, redes de desinformação, comentaristas de geopolítica, perfis falsos — tudo pra pintar seus aliados como heróis de resistência contra o imperialismo. Ibrahim Traoré é só mais um nessa linha. E aí, quando vídeos dele mandando recado pro FMI viralizam no TikTok, aquilo não é só engajamento. É estratégia.

Claro, há também quem caia nisso de forma sincera. Muita gente da esquerda jovem vê nele uma espécie de figura simbólica, quase mística. Um tipo de líder que enfrenta “o sistema”, o “ocidente decadente”, o “colonialismo moderno”. É um pacote fácil de vender. Tem drama, tem revolução, tem tom antiamericano, tem promessa de reconstrução nacional. E olha... tem carisma também. Não dá pra negar.

Mas será que a gente já não viu esse filme antes?

Será que é coincidência que os três países que formam hoje a Aliança dos Estados do Sahel (Burkina Faso, Mali e Níger) estejam todos sob regimes militares, todos afastados da ordem internacional liberal, todos flertando com Rússia e China, e todos com governos centralizadores que cancelaram eleições indefinidamente? Tudo isso em nome do quê? Da soberania?

Mas soberania de quem, exatamente? Do povo ou da junta?

A resposta não costuma vir nas redes. O que vem, geralmente, é a imagem: Traoré de pé, fuzil nas costas, multidão vibrando, legenda em francês com trilha sonora épica. E isso viraliza. E aí, do outro lado do mundo, no Brasil, alguém compartilha com aquele comentário batido: “isso que é líder de verdade”.

Só que, enquanto isso acontece, do lado invisível da tela, tem gente morrendo. Tem criança morrendo. Tem aldeia queimando. Tem padre sendo executado por não rezar a versão correta da sharia. Tem campo de refugiado lotado. Tem silenciamento de jornalistas, ativistas, mães de vítimas. Mas essas imagens não viralizam. Porque não têm estética de revolução. Porque não cabem num reel. Porque doem demais. Porque quebram a fantasia.

E não é só questão de estética. É questão de identidade. Em tempos de crise simbólica — e a gente vive uma baita crise simbólica — muita gente quer pertencer a algo. Quer acreditar que faz parte de um processo maior. E nessa busca por sentido, por identidade política, qualquer figura que “desafie o sistema” se torna automaticamente um aliado. Mesmo que seja um autoritário. Mesmo que suspenda eleições. Mesmo que governe com a ponta do fuzil.

E, sim, é claro que o imperialismo existe. A gente não precisa negar isso pra ser honesto. Os EUA meteram a mão em meio mundo, a França ainda tem presença militar forte em várias ex-colônias africanas, o FMI já foi sim instrumento de submissão. Mas combater um problema com outro maior não é solução. É troca de dono.

Talvez a pergunta verdadeira seja: por que ainda existe essa crença de que liberdade econômica é sinônimo de submissão, e autoritarismo socialista é sinônimo de soberania?

Porque enquanto Traoré aumenta o controle estatal, estatiza a mineração, regula o comércio e recruta à força jovens para morrer nas milícias — Botsuana, logo ali, com muito menos discurso e muito mais liberdade, avança. Devagar, com tropeços, claro, mas avança. Com pluralismo. Com estabilidade. Com responsabilidade fiscal. Com comércio internacional. Com abertura. Com reforma. Com liberdade. E, principalmente, com instituições que limitam o poder de quem governa.

Parece sem graça? É porque liberdade de verdade não faz boa propaganda. Não tem boina vermelha. Não tem clipe épico. Não tem trilha sonora soviética por trás. Só tem... gente livre. E no fim, talvez seja isso que mais assusta os vendedores de revolução.

Chegamos na parte que, na real, deveria ser a mais simples — mas que é cheia de armadilhas. Liberdade. Estado. Escolhas. O que tudo isso significa, especialmente pra gente que vive aqui no Brasil, olhando pra essas histórias de longe, mas sentindo o impacto bem aqui dentro.

A gente vive num país onde o Estado é, ao mesmo tempo, esperança e prisão. Onde a promessa de justiça social vira aumento de impostos, mais burocracia, mais controle. Onde o discurso “vamos proteger o povo” acaba, não raro, tirando a liberdade de empreender, de escolher, de sonhar.

Esse modelo, que parece tão distante da África, está profundamente conectado com o que acontece lá. É a mesma raiz que cria governos gigantescos, ineficientes, com controle estatal invasivo e moedas fiduciárias que se desvalorizam no bolso do trabalhador. É a mesma raiz que corrói o psicológico das pessoas, que faz com que a classe média e os jovens sintam que o futuro é um lugar distante, quase inalcançável.

Agora, pense: se um país como Burkina Faso, já marcado pela violência, pobreza e instabilidade, decide apostar no autoritarismo militar e no controle total do Estado — o que esperar? Que essa escolha traga soberania? Ou que traga mais problemas?

Enquanto isso, Botsuana escolheu o caminho oposto. Não um caminho perfeito, claro — afinal, liberdade não é garantia de vida fácil. Mas um caminho onde o Estado limita seu papel, onde o mercado tem espaço pra respirar, onde as pessoas podem investir no próprio futuro sem medo de confisco, censura ou prisão política.

Essa é a diferença.

O problema não é somente a presença do Estado. O problema é o tamanho dele e como ele exerce seu poder. Um Estado grande demais, que controla demais, que interfere demais, não só sufoca a economia; ele sufoca a alma. Ele rouba da pessoa a chance de construir algo por conta própria, de errar, aprender, crescer.

É por isso que a esquerda brasileira, que insiste em celebrar figuras como Traoré, às vezes parece desconectada do que realmente importa para o povo comum. Porque essas figuras, no fundo, simbolizam mais do mesmo: um Estado autoritário, controlador, que fala em justiça social mas pratica a centralização do poder, o que todo Estado faz.

É claro que nem tudo é simples. A liberdade econômica não é mágica, e o mercado não resolve sozinho todos os problemas sociais. Mas é a única alternativa ética para resolver os problemas.

Não importa de onde você veio, nem qual foi seu passado. O que define o futuro de uma nação são as escolhas feitas hoje — escolhas entre controle e liberdade, entre autoritarismo e democracia, entre estatismo e mercado livre.

No fim, apenas a soberania do indivíduo pode salvar o coletivo, não o contrário.

Referências:

https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2025/06/05/quem-e-ibrahim-traore-presidente-de-transicao-do-burkina-fasso.htm

https://www.gazetadopovo.com.br/ideias/che-guevara-africano-quem-novo-ditador-queridinho-esquerda-brasileira/

https://aventurasnahistoria.com.br/noticias/reportagem/por-que-thomas-sankara-o-homem-que-ficou-conhecido-como-che-guevara-da-africa.phtml

https://www.bbc.com/news/articles/c1egely9v3go