Não importa a cor da bandeira, a sede por controle é a mesma. A mais recente investida para centralizar o poder vem com a desculpa de 'proteger' seu voto. Mas o objetivo real é controlar o processo.
O desejo por controle é uma característica inerente a qualquer estrutura de poder. Governos, por sua própria natureza, não buscam a liberdade dos indivíduos. Eles buscam a expansão de sua própria autoridade. Uma justificativa comum para essa expansão é a promessa de segurança. Ouve-se repetidamente que, para proteger a sociedade, é preciso ceder um pouco de autonomia. Contudo, essa troca raramente é vantajosa para o indivíduo. Recentemente, um exemplo claro dessa dinâmica surgiu novamente. Desta vez, o palco é aquele país que estatistas chamam de Estados Unidos da América. A administração atual propõe uma federalização sem precedentes das regras eleitorais.
A proposta, formalizada através de uma Ordem Executiva, tem um objetivo declarado: garantir a "integridade eleitoral". A narrativa oficial afirma que a medida é necessária para assegurar eleições justas e livres de fraude. Para isso, o poder executivo federal busca impor um conjunto de regras uniformes a todos os estados. Entre as principais mudanças está a exigência de prova documental de cidadania para o registro de eleitores. Cidadãos teriam que apresentar documentos como passaportes ou certidões de nascimento. Outro ponto é o estabelecimento de padrões federais para equipamentos de votação. Agências federais também ganhariam o poder de acessar os registros de eleitores dos estados. Por fim, a medida restringe a contagem de votos enviados por correio que cheguem após o dia da eleição.
À primeira vista, para alguns, essas medidas podem parecer razoáveis. Afinal, quem seria contra a integridade do processo de escolha de governantes? É exatamente nesse ponto que reside a armadilha. A análise de um fato político não deve se limitar às suas justificativas. É preciso investigar seus efeitos práticos e, mais importante, seus princípios fundamentais. Do ponto de vista da liberdade, essa proposta representa um ataque direto a um dos poucos freios restantes ao poder centralizado: a autonomia local.
(Sugestão de Pausa)
A descentralização é um conceito caro a qualquer libertário. A ideia é simples. Quanto mais próximo do indivíduo uma decisão é tomada, maior a sua capacidade de influenciá-la e fiscalizá-la. Um governo local, por mais imperfeito que seja, está mais sujeito à pressão de sua comunidade. É mais fácil para os cidadãos monitorarem as ações de uma prefeitura do que as de um vasto aparato federal. Quando o poder é transferido para uma capital distante, a responsabilidade se dilui. As decisões se tornam abstratas, impostas por burocratas que não conhecem a realidade local.
A proposta de federalizar as eleições inverte essa lógica. Ela retira dos estados a prerrogativa histórica de administrar seus próprios processos eleitorais. Em vez de cinquenta sistemas diferentes, adaptados às suas populações e culturas, haveria um único sistema. Um sistema ditado pelo governo federal. Isso cria um ponto único de falha. Se um tirano local é um problema, um tirano com controle sobre todo o processo eleitoral nacional é uma catástrofe. A centralização facilita o controle e a manipulação em larga escala.
O argumento da "segurança" deve ser dissecado. O Estado frequentemente aponta para um problema, real ou inflado, para justificar a expansão de seu poder. Ele se apresenta como o único salvador capaz de resolver a crise que ele mesmo, muitas vezes, ajudou a criar. A questão da fraude eleitoral é um desses bodes expiatórios. Embora casos isolados possam ocorrer, não há evidências de fraudes massivas que justifiquem uma reforma tão drástica e centralizadora. A verdadeira ameaça à liberdade não é um eleitor fraudulento. É o sistema que legitima a coerção sobre milhões de pessoas através de um ritual de votação.
(Sugestão de Pausa)
A Ordem Executiva não visa proteger o eleitor. Ela visa aumentar o controle do governo federal sobre quem pode votar e como o voto é contado. As barreiras burocráticas, como a exigência de passaportes, não afetam apenas supostos fraudadores. Elas afetam milhões de cidadãos que, por diversas razões, não possuem tais documentos à mão. Segundo análises do Brennan Center for Justice, uma organização que estuda o tema, tais exigências poderiam impedir milhões de eleitores elegíveis de participar. Isso não é segurança, é controle. É o Estado decidindo quem tem o acesso facilitado ao processo de escolha.
Além da análise de princípios, há uma clara questão legal. A própria constituição daquele país, em seu Artigo I, Seção 4, delega aos estados o poder de determinar o "tempo, lugar e maneira" das eleições. O texto confere ao Congresso, o poder legislativo, a capacidade de alterar tais regulações, mas não ao Presidente. A ação do executivo, portanto, é vista por muitos juristas como uma usurpação de poder. É o chefe do executivo agindo como legislador, ignorando a separação de poderes.
Isso revela outra verdade sobre o poder estatal. Mesmo quando existem regras escritas para limitá-lo, o Estado sempre buscará brechas para expandir sua influência. A constituição, muitas vezes vista como uma corrente que prende o governo, torna-se apenas um obstáculo a ser contornado. Se a lei não permite, cria-se uma interpretação alternativa ou, como neste caso, emite-se um decreto executivo. A lição é clara: não se pode confiar em regras de papel para conter um aparato que detém o monopólio da força. A única contenção eficaz é a redução fundamental de seu tamanho e escopo.
É irônico observar que essa medida centralizadora parte de uma figura política que, muitas vezes, se apresentou como um crítico do "establishment" e do governo federal inchado. Isso demonstra um ponto crucial para os libertários. O problema não é a pessoa que ocupa o cargo. Não se trata de um partido ou de uma ideologia específica. O problema é a própria existência da cadeira do poder. Qualquer indivíduo, ao sentar-se nela, será incentivado pela própria natureza do sistema a usar e expandir os poderes à sua disposição. A lógica do poder é universal: ele precisa crescer para sobreviver.
(Sugestão de Pausa)
As consequências práticas de tal medida seriam desastrosas. Além de potencialmente impedir milhões de pessoas de votar, a imposição de regras federais geraria um caos jurídico e administrativo. Os estados seriam forçados a reformar seus sistemas, incorrendo em custos enormes. Disputas judiciais se arrastariam por anos, criando incerteza e instabilidade. A confiança no processo, já abalada, seria ainda mais erodida. O resultado não seria mais segurança, mas sim mais conflito, mais burocracia e mais poder concentrado nas mãos de poucos.
O precedente estabelecido seria ainda mais perigoso. Se uma administração pode mudar unilateralmente as regras eleitorais para, supostamente, favorecer seu lado, a próxima administração fará o mesmo. As eleições se tornariam uma guerra constante sobre as regras do jogo, com cada lado tentando manipular o sistema a seu favor. A estabilidade daria lugar a uma batalha perpétua pelo controle do aparato central. Nesse cenário, o grande perdedor é o indivíduo, cuja vida e propriedade ficam à mercê dessa disputa.
Em conclusão, a proposta de federalização das regras eleitorais nos Estados Unidos é um estudo de caso sobre a natureza do poder. Sob o pretexto nobre de "integridade" e "segurança", esconde-se uma manobra clássica de centralização. Ela mina a autonomia local, cria barreiras para os indivíduos e viola os próprios limites que deveriam conter o poder executivo. A iniciativa ignora que a verdadeira segurança não vem de mais controle estatal, mas de mais liberdade individual.
Para os libertários, a resposta para os problemas do sistema político nunca será dar mais poder ao Estado para que ele se "regule". A solução não é criar um sistema de votação perfeito para escolher quem irá nos governar. A solução é questionar a própria necessidade de sermos governados por um poder centralizado e coercitivo. A verdadeira reforma não é consertar as regras da eleição. É reduzir drasticamente o que está em jogo, diminuindo o poder do Estado sobre nossas vidas, economias e propriedades. A liberdade floresce na descentralização, na voluntariedade e na autonomia, não sob a bota de um poder central, por mais "seguro" que ele prometa ser.
https://apnews.com/article/trump-elections-mail-voting-midterms-2026-8be6dba80091fd7e6d8570814b34a7fe
https://www.brennancenter.org/our-work/research-reports/trump-administrations-campaign-undermine-next-election
https://www.brookings.edu/articles/executive-order-threatens-to-undermine-american-elections/