Nada melhor do que tentar resolver um problema com outro problema. Não é proibindo as pessoas de usarem o dinheiro que elas receberam que a solução será alcançada.
Em mais um episódio da eterna cruzada estatal contra a liberdade individual, o Ministério da Fazenda impôs uma nova regra que proíbe beneficiários do Bolsa Família e do BPC de acessar plataformas de apostas online. A decisão, respaldada por uma determinação do Supremo Tribunal Federal, exige que essas empresas verifiquem diariamente os CPFs de seus usuários em um sistema governamental criado especificamente para esse fim. Qualquer conta vinculada a um cidadão que receba auxílio social deve ser encerrada em até três dias úteis após a detecção. O dinheiro depositado precisa ser devolvido ao usuário, mas ele não poderá abrir outra conta enquanto permanecer no programa. A justificativa oficial é proteger os recursos destinados aos mais pobres, evitando que sejam usados em jogos de azar. No entanto, essa medida revela muito mais sobre o desejo de controle do estado do que sobre qualquer preocupação genuína com o bem-estar das pessoas.
As plataformas de apostas são obrigadas a consultar o banco de dados público tanto na abertura de novos cadastros quanto no primeiro acesso diário de cada jogador. Além disso, todas as empresas têm um prazo de quarenta e cinco dias para fazer uma varredura retroativa em todos os perfis já existentes. O objetivo é identificar quem recebe benefícios sociais e cortar seu acesso imediatamente. O alvo direto dessa intervenção são mais de cinquenta e quatro milhões de brasileiros cadastrados no Bolsa Família e cerca de três milhões e setecentos mil beneficiários do BPC. O secretário de Prêmios e Apostas, Robinson Barreirinhas, afirmou que as empresas não receberão dados completos dos cidadãos, somente confirmações pontuais durante as consultas. Mesmo assim, isso não muda que o governo está construindo um sistema de exclusão baseado na renda e na condição social. Você precisa acreditar muito no governo de que ele não irá expor seus dados para as empresas, e que ele está com boas intenções. Na verdade, sobre expor os dados, não deve acreditar, já que os dados pessoais e financeiros de todos os brasileiros estão circulando livremente na Deep Web pra quem quiser comprar.
Veja, não estamos dizendo que é moral ou eticamente correto roubar a população produtiva e dar esse dinheiro em forma de benefício para outras pessoas. Isso é claramente um absurdo. Só que um erro não justifica o outro, ou seja, uma vez que esse dinheiro já foi roubado da população produtiva, é ainda mais errado o estado intervir e dizer onde quem recebeu deve gastar.
O mercado de apostas no Brasil movimenta valores tão altos que tornam essa política ainda mais irrealista e desproporcional. São cerca de trinta bilhões de reais em depósitos mensais, resultando em mais de cento e vinte bilhões anualmente. Mais de vinte e dois milhões de pessoas utilizaram plataformas online no último mês, demonstrando a popularidade do setor. O vício em jogos é um problema real e afeta pessoas de todas as classes sociais, independentemente de sua situação financeira. Dados indicam que a maioria dos apostadores acaba acumulando dívidas, comprometendo boa parte da renda e enfrentando sérios problemas emocionais e familiares. O professor Marcelo Pereira de Mello, da Universidade Federal Fluminense, observa que o modelo das casas de apostas virtuais explora a facilidade de acesso e a ausência de barreiras legais, atraindo especialmente os mais vulneráveis. Em vez de atacar as causas profundas da pobreza e da exclusão, o governo prefere controlar o comportamento das vítimas.
A hipocrisia dessa medida é evidente quando analisamos o histórico de eficiência do estado em áreas essenciais. O mesmo governo que falha sistematicamente em saúde, educação e segurança pública agora se apresenta como guardião moral do dinheiro dos pobres. A burocracia brasileira, conhecida por sua lentidão e ineficiência, vai criar mais um sistema complexo e custoso para fiscalizar pequenas transações diárias. A ANVISA demora anos para aprovar medicamentos essenciais. O Banco Central não consegue manter a inflação sob controle. Mas regular onde um cidadão pobre pode ou não gastar seu dinheiro? Isso, sim, é prioridade. Porque é mais fácil adicionar mais uma camada de vigilância do que resolver o problema acabando de vez com os benefícios e sistema de bem-estar social, a raiz de todos esses problemas. Pior ainda é a mensagem subliminar dessa política. Ela trata o pobre como incapaz, como alguém que não sabe tomar decisões. O estado, ao distribuir o benefício, assume o direito de ditar como ele deve ser usado, como se a ajuda fosse condicional à obediência. Essa lógica não empodera ninguém. Pelo contrário, perpetua a dependência, reforça o ciclo de tutela e nega a autonomia de adultos plenamente capazes de escolher. Como se a pobreza fosse sinônimo de irresponsabilidade ou imaturidade. Se hoje é proibido apostar, por que amanhã não será proibido comprar refrigerante, fumar ou comer fora? Quando o governo começa a decidir o que é “adequado” para você, ele não está protegendo. Está dominando.
Em uma sociedade libertária, esse tipo de intervenção nem existiria. Lá, não haveria programas de transferência de renda financiados por impostos compulsórios. A assistência seria voluntária, feita por famílias, comunidades, igrejas e organizações privadas. Quem doa tem interesse que o recurso seja bem usado. Quem recebe sente responsabilidade. Não há anonimato, não há desligamento entre causa e consequência. A ajuda viria acompanhada de apoio real, orientação, capacitação e resgate da dignidade. Seria algo humano, não burocrático. Além disso, é muito provável que as pessoas perdessem a assistência se usassem o dinheiro de um jeito imprudente, haja visto que quem doa teria certas exigências para que essa pessoa possa receber a doação. Isso é belo e moral, pois cada um ajuda quem quiser, na quantidade que quiser, com as regras que quiser impor, diferente do estado que usa o dinheiro alheio e ainda quer impor suas próprias regras.
As plataformas de apostas, em um livre mercado, iriam continuar existindo, mas com toda a certeza não teriam tantos usuários, haja visto que a vida seria muito melhor do que a realidade atual, fazendo com que menos pessoas busquem o lucro rápido, e foquem mais em produzir valor para a sociedade, abrindo seu próprio negócio ou investindo em uma mão de obra mais qualificada para poderem ter um aumento no salário. A escolha ainda continuaria sendo totalmente das pessoas, sem qualquer tipo de imposição. Sem lobby estatal, sem regulamentação distorcida, o mercado evoluiria naturalmente para modelos mais sustentáveis e éticos.
O verdadeiro problema não é o jogo. É a pobreza. É a falta de oportunidade. É o desespero. E o que o estado faz? Ignora as causas e castiga os sintomas. Cria mais regras, mais vigilância, mais controle. Nunca liberdade. Nunca responsabilidade. Nunca dignidade. Bloquear o acesso de um cidadão a uma plataforma porque ele recebe um benefício é humilhante. É tratar o pobre como menor de idade. É dizer que ele não merece escolher. E, no fim das contas, não resolve nada. O vício não some. Ele irá usar o nome e CPF de outra pessoa que não recebe o benefício. Provavelmente usará um laranja, seja ele um amigo que não recebe benefício, seja o filho que ainda é criança. A proibição nunca funciona, pelo contrário, só cria incentivos para mercados negros ocorrerem, para os serviços ficarem mais caros, e para a população encontrar meios de driblar a nova segurança. Provavelmente teremos bandidos dando um jeito para que pessoas possam utilizar esses sites, cobrando uma taxa abusiva para isso. As bicheiras clandestinas serão abertas como ervas daninhas nos locais remotos. As dívidas com agiotas provavelmente aumentarão. E o estado, como sempre, aparece depois para punir, nunca para prevenir. A liberdade não é perigosa. O controle é. Decidir por si não é irresponsabilidade. É coragem. E ninguém merece dignidade mais do que quem nasceu sem privilégios.
Mas, enquanto o estado insistir em ser pai, tutor e carcereiro, vamos continuar transformando vítimas em culpados, e esquecendo que a verdadeira solução nunca vem de Brasília. A verdadeira solução está em menos estado, em expurgar o estado de bem-estar social, na liberdade e na conscientização, tudo o que o governo é contra.
https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=484235
https://www.correiodopovo.com.br/notícias/economia/fazenda-publica-instrucao-para-que-bets-bloqueiem-beneficiarios-de-bolsa-familia-e-bpc-1.1654050
https://correiodoestado.com.br/brasil/fazenda-exige-que-bets-bloqueiem-beneficiarios-de-bolsa-familia-e-bpc/455235