O Brasil não gasta demais só porque o governo quer, mas também porque a Constituição obriga. Mesmo assim ninguém fará corte de gastos, e quando a conta chegar vão preferir cortar de você.
O governo federal anunciou o congelamento de mais R$ 1,4 bilhão do orçamento previsto para 2025. A medida, apresentada como necessária para manter o equilíbrio das contas diante da escalada das despesas obrigatórias, é apenas mais um capítulo da longa novela fiscal brasileira. Com essa decisão, o valor total já bloqueado atinge R$ 12,1 bilhões, resultado da soma com os R$ 10,7 bilhões paralisados anteriormente. Os cortes recaem sobre os gastos discricionários, justamente aqueles que permitem ao Estado alguma margem de manobra, como custeio administrativo e investimentos em infraestrutura. Ou seja, cortam o que funciona para manter o que não funciona.
Dessa vez, o que se fez não foi um contingenciamento, já que a arrecadação não apresentou frustração relevante, mas sim um bloqueio derivado do crescimento acelerado das despesas obrigatórias. O déficit projetado para 2025 é de R$ 30,2 bilhões, número ainda dentro da meta fiscal, que admite até R$ 31 bilhões negativos, já que para o governo do amor o prejuízo também vira meta orçamentária, mostra deterioração em relação à estimativa anterior de R$ 26,3 bilhões.
Mas o Big Picture revela algo mais inquietante: a armadilha das despesas obrigatórias que cresce ano após ano e aprisiona o orçamento. O novo arcabouço fiscal, vendido como ferramenta para impor racionalidade às contas, na prática engessa ainda mais a administração, funcionando como um campo minado que ameaça explodir nos próximos anos. A postura do governo Lula, que continua a empilhar gastos sem previsão de cortes, piora a situação, mas não é a fonte de todos os males. A origem do problema não está apenas em decisões fiscais de um governo, mas no mecanismo estrutural das despesas obrigatórias, que tem potencial de arrastar o país a uma crise de médio prazo.
A Constituição de 1988 foi moldada sob a influência de uma geração marcada por traumas profundos. Aqueles que viveram sob a repressão do regime militar buscaram cristalizar em lei garantias absolutas de direitos, numa tentativa de exorcizar os fantasmas da censura e dos porões do DOI-CODI. O resultado foi um texto amplo, carregado de intenções sociais, mas também impregnado por uma lógica que, no campo fiscal, acabou por engessar qualquer possibilidade de eficiência.
A arquitetura das despesas obrigatórias nasceu desse espírito, servindo para consolidar a recém-instaurada democracia, estabelecendo a saúde, educação, previdência, seguro-desemprego e outros benefícios sociais como recursos vinculados, protegidos contra o risco de cortes. À primeira vista, parecia a melhor forma de blindar as chamadas conquistas sociais, mas o tempo mostrou que essa camisa de força gerou graves lesões ao paciente.
O que sobra para a administração é um resíduo mínimo, menos de 10% do orçamento federal é composto por despesas discricionárias, que incluem manutenção de serviços, investimentos em obras e programas de governo. São justamente essas verbas que sofrem cortes sempre que as despesas obrigatórias crescem em ritmo superior ao da arrecadação.
Para entender o peso desse mecanismo, vamos imaginar um exemplo hipotético em escala municipal. Imagine uma cidade em que as escolas já contam com boa infraestrutura e não necessitam de investimentos significativos. A saúde, por outro lado, está em situação precária, com hospitais sem equipamentos e falta de médicos. Mesmo que haja sobra no caixa da educação, a lei não permite remanejar esses recursos. O prefeito acaba sendo obrigado a trocar computadores em perfeito estado ou conceder aumentos automáticos a servidores do setor, pois todo dinheiro destinado à educação deve ser gasto com educação e nada mais. Enquanto isso, a população continua sem atendimento digno em hospitais porque os recursos estão trancados em cada setor.
Mas o mais grave é o efeito acumulado que esse dispositivo constitucional causa. À medida que salários são reajustados e a folha cresce de forma automática, o gasto obrigatório aumenta ano após ano, independentemente da necessidade objetiva. Como a arrecadação oscila conforme a economia, o espaço livre do orçamento encolhe a cada ciclo. Em pouco tempo, quase todo o orçamento está comprometido e o gestor só tem três opções: cortar serviços básicos, aumentar impostos ou endividar o município.
Esse é o retrato em escala reduzida do que ocorre na administração fiscal do Brasil. O país vive sob a sombra de uma bomba fiscal, acionada pelas despesas obrigatórias que consomem o espaço de escolhas políticas. E assim como em toda bomba, o cronômetro já está correndo. Como se isso não fosse o bastante, o problema é agravado com a crise demográfica que estamos enfrentando. A população envelhece, a taxa de natalidade cai, e o resultado é que gasta-se cada vez mais com educação, mesmo com menos alunos, enquanto a saúde, que deveria receber mais atenção diante do aumento de idosos, fica sobrecarregada.
A distinção entre esse problema e qualquer outro é a sua natureza estrutural, o dilema não se resolve apenas com gestão eficiente ou boas intenções. Mesmo que um governo austero e responsável chegasse ao poder, o máximo que conseguiria seria adiar o inevitável. A raiz do problema está no texto constitucional. Sem reformas profundas, que alterem o regime de vinculações, qualquer tentativa de equilíbrio será mera maquiagem contábil.
Mas é como dizem, “O Brasil não é para amadores”, nós nos encontramos naquilo que possivelmente é a pior alternativa possível: o governo não é apenas incapaz de evitar a crise, ele colabora ativamente com ela. A criação do novo arcabouço fiscal em 2024 adicionou mais uma camada de concreto sobre qualquer resquício de flexibilidade orçamentária no Brasil. Substituindo o teto de gastos, a nova regra foi vendida como uma solução equilibrada que conciliaria disciplina com espaço para investimentos. No papel, o ministro Taxad estabeleceu metas ambiciosas: déficit zero em 2025 e superávits crescentes até 2028, com tolerância limitada a variações de até 0,25 ponto percentual do PIB.
O mecanismo prevê que as despesas só possam crescer até 70% do aumento real da arrecadação, com um teto variável entre 0,6% e 2,5% acima da inflação. Caso as metas não sejam cumpridas, gatilhos automáticos reduzem ainda mais o espaço para gasto, limitando concursos, reajustes e novas despesas. Na prática, porém, esse modelo diminui ainda mais o espaço dos gastos discricionários, se tornando literalmente um calabouço fiscal. O aumento das despesas obrigatórias ocorre de forma automática, enquanto a arrecadação depende do desempenho da economia, que anda em marcha lenta. Isso significa que, em breve, as metas se tornarão inalcançáveis. A própria ministra do Planejamento, Simone Tebet, admitiu que, em 2027, nenhum governo conseguirá administrar o país sob as regras atuais, independentemente da ideologia no poder.
O problema se tornará mais agudo quando o custo total dos precatórios voltar a ser contabilizado integralmente. Em 2021, a PEC dos Precatórios parcelou esses pagamentos, empurrando parte da despesa para o futuro. Mas a conta está chegando, e a partir de 2027, os precatórios voltarão com força total, comprimindo ainda mais o orçamento.
Entre 2027 e 2028, o Brasil corre risco de enfrentar um colapso fiscal semelhante ao da Grécia no início da década passada. A dívida pública explodiria, investidores exigiriam juros mais altos e a confiança internacional que ainda resta desmoronaria. O real se desvalorizaria rapidamente, os importados encareceriam e a inflação corroeria o poder de compra do brasileiro. Obras seriam paralisadas, serviços públicos deteriorados e, em casos extremos, atrasos em pagamentos de salários e aposentadorias poderiam ocorrer.
O ambiente de frustração, desemprego e perda de renda abriria espaço para instabilidade, protestos e reações semelhantes às vistas durante a crise do governo Dilma. Reformas estruturais teriam que ser implementadas às pressas, em meio à crise, num ambiente de desconfiança generalizada.
O retrato que emerge da crise é o de um estado incapaz de cumprir sua função básica. Mesmo com o poder de tributar e roubar riqueza da sociedade, o governo não consegue prover segurança, serviços e organização sociale. Ele se mostra incapaz de equilibrar suas próprias contas graças a um modelo constitucional que insiste em expandir gastos de maneira irracional.
Do ponto de vista político, pouco pode ser feito em curto prazo graças a resistência do governo e congresso aos cortes de despesas, especialmente em anos eleitorais. O cidadão comum não pode esperar que o estado proteja seu patrimônio, precisa buscar alternativas por conta própria.
Diversificar investimentos em moedas fortes é uma saída clássica, mas já se mostrou vulnerável em países como a Argentina, onde o governo simplesmente confiscou poupanças em dólar. Ouro, imóveis e commodities são alternativas sólidas (literalmente), mas enfrentam limitações de liquidez e riscos de segurança, ainda mais em um país violento como o Brasil.
Há, no entanto, um ativo que reúne as características desejadas de liquidez e segurança: o bitcoin, que alia a liquidez das moedas digitais à resistência ao confisco dos ativos físicos. O bitcoin ainda permite transferências internacionais rápidas e independentes do sistema bancário, oferece um grau de proteção contra crises locais, já que seu preço é global e cotado em dólar.
Com a popularização de sistemas de pagamento digitais, como o PIX, a familiaridade do brasileiro com transações instantâneas torna a adoção de criptomoedas ainda mais natural. O bitcoin surge, portanto, como a alternativa mais viável para quem deseja proteger seu patrimônio de uma crise que não é mais possibilidade, mas sim uma certeza.
Se há um aspecto positivo na hecatombe que se avizinha, é que mais pessoas descobrirão a utilidade do bitcoin e as ideias libertárias. A crise, criada pelo próprio estado, vai acelerar o processo de hiperbitcoinização no Brasil que, em última instância, minaria as bases do poder centralizado. Ironicamente a ruína do planejamento central virá da sua própria incompetência. Nunca antes na história deste país a burrice estatal foi tão revolucionária.
https://revistaoeste.com/politica/governo-lula-congela-mais-r-14-bi-em-gastos-de-2025/
https://www.reuters.com/world/americas/brazils-fiscal-framework-unsustainable-by-2027-minister-warns-2025-03-13/
https://pt.wikipedia.org/wiki/Novo_arcabou%C3%A7o_fiscal